O tempo fecha.
Sou fiel os acontecimentos biográficos.
Mais do que fiel, oh, tão presa! Esses mosquitos
que não largam! Minhas saudades ensurdecidas
por cigarras! O que faço aqui no campo
declamando aos metros versos longos e sentidos?
Ah que estou sentida e portuguesa, e agora não
sou mais, veja, não sou mais severa e ríspida:
agora sou profissional.
Sou fiel os acontecimentos biográficos.
Mais do que fiel, oh, tão presa! Esses mosquitos
que não largam! Minhas saudades ensurdecidas
por cigarras! O que faço aqui no campo
declamando aos metros versos longos e sentidos?
Ah que estou sentida e portuguesa, e agora não
sou mais, veja, não sou mais severa e ríspida:
agora sou profissional.
( A TEUS PÉS. ANA CRISTINA CESAR)
Eneas –
Rose, não entendo nada deste poema. Essa poetisa é meio louca?
Rose -
Claro que não. Era lúcida demais. Fazia parte da turma que distribuía poemas
xerocados ( mimeografados, melhor dizendo, usavam um aparelho parecido
ao de Xerox), pois não queria passar pelas editoras. Era o tempo da ditadura,
escrever era perigoso, havia censura, cadeia, tortura. Então os textos são
herméticos, mais difíceis de compreensão. E, sobretudo, livres, meio nonsense.
Mas não
deixam de lado os paradigmas dos modernistas... Preste atenção a isso!
Eneas- O
que ela quer dizer com ‘ o tempo fecha’?
Rose –
Eneas, nem tudo que aparece no texto de Ana Cristina precisa ser compreendido.
Você busca pedaços de pano, ou faça assim como quem pega pulga. Se não
compreender 'o tempo fecha' siga em frente na leitura.
MAS 'O
TEMPO FECHA' PODE SIGNIFICAR QUE VAI CHOVER; OU QUE A SITUAÇÃO VAI FICAR
CONFLITUOSA.
EM
POESIA OS SENTIDOS DANÇAM UNS SOBRE OS OUTROS. APREENDA O MAIS PRÓXIMO DOS
OUTROS QUE VIRÃO E QUE FAÇAM UM OU OUTRO SENTIDO.
Perceba
que o poema tem um jogo metalinguístico. Ela questiona o seu
fazer poético. Esse é o ponto!
Eneas-
Ela não tinha segurança em si? Do que escrevia?
Rose –
Não é isso. Isso que você chama de insegurança faz parte de todos que são
artistas e lidam com a construção da arte. Quem cria e tem consciência do que
seja criar é inseguro. Mas há quem crie e nem pense muito pois não sabe bem
teorias etc.
Esqueça ‘
o tempo fecha’ e avance...
‘Sou fiel
os acontecimentos biográficos.
Mais do que
fiel, oh, tão presa’
Perceba
que ela busca seguir um método, parece que imposto a ela, que gosta e não gosta
de ter regras. Sabe que ela se diferenciou dos amigos da chamada Geração
Mimeógrafo, justo porque sabia muito sobre literatura. Fez cursos. E fez a PUC
- e na PUC quem é escritor pode ficar um pouco confuso. A geração dela queria
liberdade mas a PUC ensina que para escrever é preciso obedecer um método, ter
consciência do fazer poético.
Perceba
que aí ela mostra o seu fazer poético, assim como mostramos os bastidores dum
programa de tevê. Sabe o lado do avesso de um bordado? Sabe o que é bordado? A
geração z não sabe alguns tópicos do passado... rs
Ela abre
seu engenho ao olho do receptor. Mostra o que pensa e no que pensa há sua
técnica de escrever. Entendeu? É um jogo. Escrever é jogar pesado, meu caro.
Ela quer
ser fiel à biografia. Nem sei de que biografia está falando. Não sabemos se é a
dela. Mas ela quer essa fidelidade a x coisa. Porém, expõe que a fidelidade –
talvez um ponto bom para a construção do texto que ela quer fazer – a prende, a
tolhe, aperta.
Na
sequência ela vem com os mosquitos e com as cigarras. Podemos pensar: será que
quando ela escreveu isso estava no meio do mato? Parece que não pois tem
saudades das cigarras. Mas o que exato essas metáforas apontam? Não perca a
dimensão da conotação, Ana Cristina é toda conotação e raciocínio.
Amarre ao
que veio antes: se biografias prendem, se mosquitos não largam... Daí as
saudades das cigarras cujo som é ensurdecedor mas, quem sabe, mais soltos,
livres? Líricos demais e livres líricos e livressssssss ( olha as cigarras
cantando: sssssssssss)
Construir
um poema tendo de obedecer à força pode ser chato e tedioso com ter um mosquito
voando em torno de nós, Eneas.
Eneas –
Mas, Rose, o que podem pedir na Unicamp sobre isso tudo?
Rose –
Não sei bem. Pois acho o livro complexo para vocês da geração z. Podem pedir a
metalinguagem, que é o poema que fala sobre o ato de fazer poema.
Essa é a máxima que vejo neste texto que não tem sonoridade. Não tem o rato roeu
a roupa do rei de Roma e nem VOZES VELOZES VELUDOSAS VOZES. FALTA MELOPEIA.
Eneas- o
que é melopeia?
Rose – é
o som de um poema. Os textos românticos são lotados de aliteração, assonância,
rimas. Este texto não tem sonoridade ritmada. Ele é mais pensar o ato de
escrever e imagens e mais imagens e algumas incompreensíveis, mas tudo bem. Poema
não é só para compreender, pode bagunçar também. Essa
do mosquito, por exemplo é metáfora evidente. Algo incômodo!
Creio que
a Unicamp vai pedir isso, a construção do texto. Una figuras de linguagem umas
às outras e você pega sentidos vários e possíveis.
Perceba aqui,
Eneas, como o eu lírico, vamos falar Ana? A Ana joga-se ao ato de escrever, mas
parece surpresa entre o desejo de se soltar e as amarras que aprendeu na PUC
sobre o fazer poético: ‘’O que faço
aqui no campo declamando aos metros versos longos e sentidos?’’
Eneas –
Mas é isso, Rose, vão pedir uma compreensão mínima que eu faço, unindo imagens.
Meio quebra-cabeça?
Rose – é
isso.... Veja aqui: ‘’Ah que estou sentida e portuguesa, e agora
não sou mais, veja, não sou mais severa e ríspida: agora sou profissional.’’.
Ela se
cobra o sentir tão português ( Conhece português? Somos muito sentimentais, ora
bravos ora chorões). Porque aprendeu que o poema, ainda que fale da dor, não é
propriamente a dor mas a construção da dor.
Pessoa
dizia que o poeta é o fingidor,finge tão completamente que chega a fingir que é
dor a dor que deveras sente.
Ana
Cristina trabalha justo essa consciência de que
escrever vai além de queixar-se de dores, ou exultar alegrias.
Perceba
que no final, já controlando a emoção e consciente de que texto é construção de
sentido e forma etc escreve: ‘e agora não
sou
mais, veja, não sou mais severa e ríspida:
agora
sou profissional.’’
Ela
sabe que ser profissional de escrita é dominar a linguagem e transformar a
emoção em um construto feito um cata-vento.
Eneas –
ai ai, Rose, estou preocupado com esta poetisa. Tomara não peçam ... amanhã na
Unicamp.
Rose´-
Pare com isso. Você é chatão.
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